quinta-feira, 10 de outubro de 2019

ARQUITECTURA AO CENTRO #167



CAPELA DE NOSSA SENHORA DE FÁTIMA
IDANHA-A-NOVA, CNAE-CENTRO DE ACTIVIDADES ESCUTISTAS

Pedro Ferreira e Helena Vieira
com João Martins
Plano Humano Arquitectos
2017

Em plena região centro de Portugal, no concelho de Idanha a Nova, a construção deste edifício surgiu da vontade de ter no Centro Nacional de Atividades Escutistas (CNAE) uma capela aquando do XXIII Acampamento Nacional de Escuteiros Católicos Portugueses, que envolveu cerca de 22000 participantes, e para se juntar às demais construções definitivas que este centro escutista dispõe.
A localização escolhida é privilegiada, numa área de planalto, central no CNAE, em ambiente rural e natural, com um sistema de vistas extraordinário, que impulsionou a conceção do edifício.
A vivência espacial inicia-se com o percurso de acesso à capela, um momento de passagem gradual para o ambiente mais recolhido deste recinto, criado por uma divisória em postes de madeira tratada, suficiente para delimitar o espaço, mas propositadamente aberta, mostrando uma capela disponível para todos os que passam. A coroar a entrada, pregão da vida do povo cristão, um sino, alusivo ao Corpo Nacional de Escutas e ao XXIII Acampamento Nacional.
A inspiração para esta construção, dedicada a Nossa Senhora de Fátima, nasceu do âmago da experiência escutista: a vida ao ar livre, o acampamento, a tenda, a sobriedade e simplicidade das construções e estilo de vida. Também as extremas do edifício, de forma pontiaguda, fazem uma alusão ao lenço escutista, símbolo da promessa e compromisso neste movimento.
Pensámos a capela como uma grande tenda, de portas abertas a todos, e em todos os momentos. Um ponto de acolhimento, abrigo e encontro. A sua forma muito simples, semelhante a uma tenda canadiana, estabelece-se em duas águas, que se moldam à utilização dos seus visitantes. A estrutura aproxima-se às pessoas na zona da entrada, onde o volume é mais baixo e mais estreito, mais próximo da escala humana, e alonga-se para a frente e para o alto, elevando o utilizador para algo superior, com uma paisagem deslumbrante como pano de fundo, que amplifica estas sensações. O espaço envolve, acalma, e convida-nos a contemplar a imensidão da paisagem. O contexto intimista do local alia-se ao espírito escutista e cristão de comunhão com a natureza.
A orientação Nascente / Poente da capela potencia que o nascer do sol ilumine o seu espaço interior, mas é ao pôr-do-Sol que se usufrui de uma imensidão de cores, tons e ambiências, que envolvem o olhar e legitimam também toda a composição arquitetónica.
No outono e inverno, a luz, mais crua, destaca a tranquilidade do local, e a simbiose de desadorno entre o edifício e a paisagem.
O ponto de entrada, onde o edifício se assemelha ao lenço escutista, e à forma como este assenta no pescoço, é também marcado pela presença da água, que aqui “nasce”, formalizando um início, que convida à entrada na capela e no Mistério que celebra, evocando a longa e rica simbologia bíblica e litúrgica.
A água atravessa todo o espaço da capela, num caminho que se desenvolve até ao altar – lugar central de qualquer espaço celebrativo cristão - e posteriormente para a paisagem, encaminhando o utilizador para a cruz, que fora da capela, no mesmo alinhamento, pontua a paisagem e consolida a sensação de amplitude e projeção para o Divino.
A grande cruz, implantada na paisagem, com a sua forma imponente e ao mesmo tempo delicada, que se aligeira à medida que ganha altura, testemunha e corrobora a solenidade do local.
O alinhamento destes elementos litúrgicos, dispostos segundo um caminho protegido pela forma arquitetónica, que ao abrigar projeta também o utilizador para o alto e para a paisagem, unificam os propósitos da conceção formal e conceptual do edifício.
A estrutura de madeira e zinco confere um aspeto exterior simples e protetor ao templo, e um ambiente confortável e acolhedor no interior, onde a estrutura de 12 vigas, numa alusão aos Apóstolos, foi deixada à vista, mostrando a verdade e simplicidade construtiva.
Com um comprimento total de 12m, a estrutura atinge o seu ponto mais alto aos 9m, após o Altar, onde o elevar da viga principal aumenta a profundidade do espaço e destaca este ponto sacro. Toda a estrutura é ligada ao chão através de rótulas metálicas.
Os materiais escolhidos integram o edifício na envolvente, na prática escutista, e no conceito arquitetónico. A madeira é um material muito utilizado pelos escuteiros nas suas construções. É um material natural e tradicional, que confere solidez e conforto. O zinco, material também tradicional, aqui eleito pelas suas excelentes qualidades de estanquicidade, e também pela sensação de proteção que confere.
O altar, a fonte e o caminho de percurso da água, são elementos fixos do edifício, e são constituídos em pedra, material natural e nobre.
A cátedra, o ambão, o suporte do círio, a base da imagem de Nossa Senhora de Fátima e os bancos da assembleia são móveis, feitos em madeira maciça, trabalhada de forma simples, quase tosca, depurada de acabamentos adicionais, deixando a função sobrepor-se à decoração.
A luz, importante tema na arquitetura e na expressão religiosa, foi pensada de forma a realçar a expressividade de todo o espaço, interior e exterior. Pela sua localização, em ambiente rural, e no centro da prática escutista, a iluminação artificial eleita é discreta, harmoniosamente distribuída, destacando e enquadrando o edifício com a natureza sempre que a noite cai, deixando contudo sobressair as estrelas. É uma iluminação que parte de baixo e se projeta no conjunto edificado, e na grande cruz, que valoriza as dimensões da arquitetura, conferindo-lhe também dimensões etéreas. Um único ponto de luz destaca-se da restante iluminação, e cai do alto do eixo da estrutura, no topo do altar, consagrando em reverência este elemento.
A capela está ao serviço da comunidade escutista, e permite que em celebrações para maior número de pessoas a assembleia possa ficar no exterior, ficando o celebrante virado para a paisagem, passando desta forma a capela a funcionar como um Altar.
Este é um lugar espiritual, uma existência simples, sagrada, que convida a recolher, em diálogo pessoal, em encontro com a fé, e a voltar a olhar para a frente, para um horizonte mais alto.

site: planohumanoarquitectos.com

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